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Segurança em meio ao caos

Com início em 21/05/18 os caminhoneiros do Brasil decidiram manifestar-se em forma de paralisação. Fecharam rodovias e “cruzaram os braços” em forma de protesto contra o alto preço dos combustíveis, pedágios e outras reivindicações da categoria. Nos dias subsequentes o que se instaurou na nação foi um estado de caos: supermercados ficando com prateleiras vazias; postos de combustíveis fechados e, os poucos abertos, com filas quilométricas; verduras e legumes a preços absurdos; enfim: uma situação de extrema dificuldade para o cidadão brasileiro que precisava seguir sua vida dentro da normalidade.


O Texto do salmo 46 é um dos mais belos hinos registrados na Bíblia e, pessoalmente, é o que mais me consola em dias tristes. Sua estrutura está claramente dividida em três estrofes pelo “selá” (elemento que indica uma alteração na música, que pode ser pausa ou mudança no tom de voz): a primeira do verso 1 ao verso 3, a segunda do verso 4 ao 7 e a terceira do 8 ao 11. O comentário bíblico NVI (Bruce, 2012, p. 565, grifo nosso) traz-nos a seguinte informação:


“O refrão dos v. [versos] 7, 11, provavelmente cantado como resposta da congregação ou de um coro em antífona[1], parece ter sido omitido acidentalmente após o v. 3”;


Assim, subentendemos que este salmo era usado no culto congregacional no templo em Jerusalém, mas não podemos precisar certamente sua época. Wiersbie (2006, p.176) afirma categoricamente que “é bem provável que se contexto histórico seja a ocasião em que Deus livrou Jerusalém das mãos dos assírios no tempo do rei Ezequias”, mas ele parece estar sozinho nessa opinião, tendo em vista que nenhum outro comentarista pesquisado sugere um contexto histórico definitivo para esse belo salmo.

A centralidade da mensagem deste salmo está em seu refrão, repetido nos versos 7 e 11: “O Senhor dos Exércitos está conosco, o Deus de Jacó é o nosso refúgio”. Essa mensagem pode ser parafraseada da seguinte forma: “Deus está conosco e ele é nosso esconderijo nos momentos de caos e dificuldade!”. Em volta dessa mensagem principal o salmista cria três cenas que podem ser analisadas com mais calma nos parágrafos seguintes.


A primeira cena é apresentada na primeira estrofe: Deus é nossa proteção. A imagem que o salmista traz é de “refúgio e fortaleza” (v. 1). Segundo O Novo Dicionário da Bíblia (Douglas, 2006, 523): “Durante a maior parte do período bíblico as palavras “cidade” e “fortaleza” eram sinônimas na Palestina”. Então podemos entender que o que o salmista entendia por mais seguro em sua concepção era a cidade, Jerusalém, murada e fortificada. Ainda que os fenômenos naturais mais intensos e bravios se lançassem sobre a nação, eles se esconderiam em Deus.


Deus é o lugar da habitação existencial do povo em meio ao caos e à desgraça, pois Deus é a verdadeira cidade fortificada que não se abala. Lembra da greve dos caminhoneiros, lá do primeiro parágrafo? Deus é o lugar forte em que o povo cristão se esconde e não se abala. Parafraseando o salmo: “Deus é o nosso esconderijo e nossa cidade forte, por isso não temeremos ainda que os supermercados fiquem vazios ou as bombas sequem; ainda que as prateleiras venham a se esvaziar e os remédios não consigam chegar”. Tenhamos fé! Deus é a nossa proteção em meio ao caos!


A segunda cena vem junto com a segunda estrofe da poesia. E ela diz: Deus é segurança! O verso 5 traz com tanta convicção a seguinte verdade: “Deus está no meio dela [Jerusalém]; não será abalada; Deus a ajudará ao romper da manhã” (ARC – grifo nosso). Enquanto a primeira estrofe traz fenômenos assustadores, a segunda estrofe traz a calmaria de um rio calmo; claramente referência “à fonte de Giom, cujas águas Ezequias conduziu para dentro de Jerusalém por meio de um túnel (2 Cr. 32.30)” (Bruce, Op. Cit., 565), uma vez que Jerusalém não possuía nenhuma corrente de água natural. A verdadeira mensagem é: “enquanto Deus estiver ao nosso lado, nossos inimigos não hão de vencer-nos e destruir nosso templo, a habitação do Senhor”. Compreende como isso se aplica a você, hoje?


Deus não habita mais em templos feitos por homens, lá em Jerusalém. Mas ele habita nos seres humanos redimidos, que passam a ser templo do seu Espírito. E a mensagem é essa: Deus é a nossa segurança; nossos inimigos: a carne, o mundo e o Diabo não hão de nos vencer enquanto o Espírito estiver habitando em nós. Não devemos viver uma vida em constante temor, pois, se o Espírito está em nós (e, se cremos em Cristo, ele Está!), do nosso interior fluirão rios de água viva (Jo. 7.38)!


A terceira cena que o salmista apresenta vem acompanhada da terceira e última estrofe: Deus é Graça. O clímax dessa estrofe é o verso 10, que a Nova Versão Internacional – NVI traz “Parem de lutar”, trazendo a ideia de que a salvação do Senhor seria fornecida sem que o exército de Israel precisasse de esforços próprios. Deus salvaria seu povo por meio da sua maravilhosa e infalível graça, que se mostra poderosa, pois “ele acaba com as guerras até os confins do mundo”[2]. Deus é a maior manifestação da Graça e Israel sempre provou disso, pois sempre foi pequeno frente às demais nações de seu tempo e os vencia, com folga.


Deus nos convida, em nossas lutas cotidianas, a confiar em sua graça e descansar em seu poder. Ele acaba com as guerras, ele põe fim ao guerreiro. Ele nos convida a se acalmar e ver o livramento diário que ele nos dá. Enquanto estivermos ao lado do Senhor, podemos descansar tranquilos, pois Sua Graça jamais nos faltará. O contrário também é verdade: enquanto confiarmos em nossos méritos próprios, perderemos sempre e em tudo; mas se colocarmos nossa confiança em Deus ele, gracioso, cuidará de nós!



Eric de Moura | Teólogo.


[1] Antífona é um recurso da poesia hebraica no qual um dirigente lê ou canta a poesia e a congregação em algum momento participa respondendo.

[1] Sl. 46.9, AS21.





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