A infância é uma fase maravilhosa e cheia de descobertas. Sem dúvida entre as descobertas, a mais prazerosa que uma criança pode ter, é a dos sabores. A definição de boa parte do nosso paladar é feita na infância, com a tentativa e erro dos pais para descobrirem o acerto dos gostos dos filhos. É claro que ao longo de toda vida o paladar é refinado, e alguns sabores podem ter sua percepção modificada, podendo alterar sua apreciação, no entanto, é na infância que definimos de forma clara o que gostamos e desgostamos em termos de sabores.
Quando se é belenense e criança temos um universo vasto e rico de sabores a ser e explorado. Remontar os sabores de Belém é remontar parte da minha infância nos anos 90, muito diferente da infância atual. Pensar nesses sabores e texturas é lembrar de momentos com minha mãe, amigos e risadas, por que comer é sempre um momento social, onde se compartilha o prazer de se comer com queridos.
Sobre a infância me recordo dos cafés da manhã que tomavámos em Belém, que ocorriam em dias de consulta e exames no antigo IPASEP da Senador Lemos, no bairro do Telegráfo. Em dias de consulta e exames, acordavámos antes do sol e ficavámos em jejum até sermos, meu irmão e eu, devidamente consultados e examinados, depois disso vinha o café da manhã. Mamãe costumava nos comprar sempre um café com leite, acompanhado de tapioca molhadinha com coco e leite condensado para ela, eu como boa criança preferia bolo de macaxeira, meu irmão não lembro o que costumava pedir, mas devia ser tapioca, e por vezes a mamãe também comprava aqueles saquinhos com popunha. Como isso era bom e gostoso. Eu lembro que esses cafés eram tão gostosos, que não sentia falta de pão, e embora Belém signifique terra do pão, só aqui o pão tem essas nuancias amazônicas e regionais. Está em Belém no café da manhã, é sempre querer um pão diferente.
Ainda na infância, me recordo dos meus almoços favoritos em Belém, que ocorriam nos dias de pagamento da mamãe e não era nem pelo fato dela comprar algo caro, mas pelo sabor mesmo. Pagamentos que ocorriam num período anterior a disseminação do caixa eletrônico, quando se recebia com identidade e contra-cheque na boca do caixa; era bem cansativo, mas quase sempre nos proporcionava um almoço maravilhoso no ver-o-peso a base de pescada amarela frita com arroz e feijão e quando ela achava que eu e o Júnior não íamos nos sujar, nos permitia uma porção generosa de açaí. Pessoal, peixe frito com açaí no ver-o-peso, é muito pai d’égua, e só dá pra desfrutar dessa maravilhosa experiencia, quando se está em Belém.
Saindo da infância e com um pouco menos de convívio familiar, chego a adolescência e ao período da tarde que para mim tem sabor de guaraná da Amazônia. No ensino médio conheci e consumia muito guaraná, em especial no último ano do ensino médio, quando passava o dia todo na escola me preparando para os vestibulares da vida, e o guaraná era consumido diariamente no intervalo das 14 às 16 horas. Nesse intervalo parte da minha classe, e eu, íamos até a praça Brasil pelo lado da Jerônimo Pimentel e pediamos o Guaraná da Loira - que era antagonicamente sempre preparado por uma morena, fato que sempre gerava um trocadilho nosso - um guaraná que tinha por base amedoin e castanhas de caju e do Pará, acrescido de aveia instantânea, leite em pó e condensado, guaraná em pó e em xarope tudo isso batido junto no liquidificador com gelo e para quem gostava com um pouco de catuaba, quando queriámos o tradicional, pois as vezes pagavámos 50 centavos a mais e era acrecido a esta mistura açaí, cupuaçu ou bacurí. Isso que é vitamina de verdade, e como aquelas tardes eram gostosas e cheias de riso com todos nós sentados na praça Brasil a sombra de uma mangueira frondosa, tomando guaraná, conversando besteiras, externando expectativas, contando piadas, rindo de algumas aulas e professores... que saudade daquele tempo e daquele guaraná, que nunca mais tomei um igual, mesmo quando paro ali na praça Brasil e peço um, ele me parece solitário sem aquela turma. O guaraná em Belém tem um sabor de riso se em boa companhia e de saudade quando se está sozinha.
Por fim, chega a noite em Belém e a minha fase adulta, com seus jantares. Em Belém meus jantares tem a cara dos meus amigos principalmente, e de um ou outro namorado. Jantar na orla de Icoaraci é pedi um peixe na telha ou uma caldeirada com tucupí e jambú, é essencial e bom demais. Sempre que posso, vou com as pessoas queridas comer esses pratos por ali, que tem a cara das noites em Belém, e ainda de bônus se aprecia a vista do rio e pra onde se olha, se toca, se respira ou se coma, se sente e se saboreia Belém.
Assim quando estou longe de Belém sinto falta de todos esses sabores que por aqui são tão comuns, mas que longe daqui viraram gourmet, e que além de caros não tem o mesmo sabor. Sempre que viajo e vou encontrar com paraenses que estão emprestados para outros lugares, eu levo pelo menos açaí, cupuaçu e castanhas e vejo a felicidade que é se reencontrar com esses sabores e como eles remontam Belém e evocam o prazer que se tem ao se saborear uma refeição ou uma fruta dessas que só se acham em Belém.
Belém é assim, terra de sabores únicos, do café da manhã ao jantar. Sabores que requerem uma nova cesta básica, onde haja espaço, para a goma da tapioca, pro tucupi, para a farinha, pro açaí, para a castanha do Pará e até para o feijão e arroz nosso de cada dia. Pensar e sentir Belém passa muito pelo paladar, pois Belém é demais gostosa e não com um gosto trivial ou comum, mas com aquele gosto único, diferente, até exótico e que é irresistível ao paladar e a memória de quem vive, conhece ou simplesmente passa por Belém.
Pollyanna de Almeida Pantoja | Professora universitária.
Imagem: Feira do Açaí, Mercado do Ver-O-Peso/Internet.