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QUATRO ABORDAGENS POSSÍVEIS PARA A QUESTÃO DO SUICÍDIO

O presente artigo visa apresentar, ainda que de forma sucinta, os possíveis pressupostos pelos quais podemos abordar a questão do suicídio. Não pretendemos então, embora se faça naturalmente necessário, produzir uma conclusão, mas lançar bases às discussões em torno do assunto.


Introdução

Nos últimos meses, tem se alarmado no Brasil notícias relacionadas a este assunto tão antigo, o suicídio. Sempre que são veiculadas na mídia encenações ou dramatizações que envolvem assuntos polêmicos, uma enxurrada de opiniões e contestações aparece. Em um mundo cada vez mais dinâmico, e também superficial, as mídias sociais dão conta de acelerar o processo polemizador destas questões. Porém, do nosso ponto de vista, essas informações chegam já viciadas por uma porção de pressupostos, que assim são difundidos, ora a favor, ora contra. Mas será que podemos tratar essas questões tão sérias de maneira apenas superficial? Será que apenas uma abordagem é suficiente, num assunto tão complexo?


A questão do suicídio, pode se constatar na história,

não é tão simples quanto tentam apresentar.

Discussões em torno deste assunto permearam o mundo antigo,

e embora não fosse um ato comum, ainda assim

geravam questionamentos de ordem filosófica e teológica.


Essa discussão está presente, por exemplo, no diálogo de Sócrates com Fédon, nos questionamentos impostos por Cebes. (PLATÃO,1999).


Porém, toda a complexidade do assunto não exclui a importância e nem a necessidade de o pensarmos. Por isso, queremos propor pelo menos quatro abordagens possíveis para esta questão.


ABORDAGEM FILOSÓFICA

Obviamente, não é possível esgotar essa abordagem, porém, alguns indícios podem se encontrar na filosofia. Essa abordagem tem como pano de fundo a reflexão sobre a vida, ou a cosmovisão, a maneira como enxergamos a vida. Os gregos entendiam que o corpo era uma prisão. É possível observar esse diálogo entre Cebes e Sócrates. Sendo o corpo um aprisionador, a cadeia daquilo que era mais nobre e mais elevado, que é a alma. A morte se estabeleceria como uma bem-aventurança. Então Cebes questiona que se a morte é tão boa, então o homem poderia se tornar o seu próprio benfeitor. (Platão, 1999).


Quando a vida é identificada como nada, ou como algo distorcido daquilo que realmente é, perde-se então o valor protetivo da existência. Sócrates, através de Platão, não só argumenta sobre essa possibilidade de uma existência fora do corpo, como também da possibilidade de um retorno. Nietzsche, no livro “Crepúsculo dos Deuses”, chama o pôr a cabo a própria vida como um ato de conquista do direito de viver. Veja que essas frases não são em si mesmas uma apologia ao suicídio, mas a discussão do ponto de vista filosófico. Precisamos adicionar a tudo isso o Niilismo.


Niilismo é uma corrente filosófica

que tem como característica um

ceticismo em relação à toda a realidade do mundo.


O Niilismo, embora pouco conhecido intelectualmente, é praticado cotidianamente. A visão pessimista do mundo nos leva a interpretar a própria realidade como algo extremamente dolorido, o que gera um desencanto pela vida, a perda total de sentido. O ser humano possui uma necessidade básica de sentido na existência, uma vez perdida, a vida perde completamente o sentido (valor).


ABORDAGEM BIOLÓGICO/QUÍMICA

Do ponto de vista biológico/químico, as abordagens podem ser outras. O sistema nervoso do nosso organismo é responsável em tornar possível o conhecimento do homem e do seu meio ambiente. A célula fundamental do Sistema Nervoso é o neurônio, que é capaz de produzir e conduzir impulsos elétricos, neste caso, chamados de impulsos nervosos.


Células e neurônios se comunicam por meio de neurotransmissores, que por sua vez se ligam em respectivos receptores, esse processo é chamado de Sinapse. Quando há uma disfunção nesse processo, temos a incidência da depressão como fator biológico.


Pelo que entendo dessa abordagem, não é simplesmente a ausência de pensamento positivo, ou um momento de tristeza, e sim um descompasso químico no organismo, se fazendo necessário tratamento específico. Pode haver também um fator genético. Outro fator também está presente em pessoas que tomam determinados medicamentos, onde um dos efeitos colaterais é o risco do suicídio, assim como o abuso na utilização de drogas.


ABORDAGEM PSÍQUICO/SOCIAL

O sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro “O Suicídio”, no final do século XIX, inaugura uma nova proposta para a questão do suicídio. Na sua interpretação, o suicídio é um fato social. Durkheim vai dividir o seu raciocínio em três tipos: suicídio anômico, suicídio egoísta e suicídio altruísta. (Durkheim, 2000).


No suicídio anômico, Durkheim chama a atenção para a ausência de regras sociais, a total falência das instituições e a ausência de normas. Isso leva a uma total perda de identidade social, fazendo com que o indivíduo fique completamente à margem de toda essa realidade da sociedade, por isso o nome anômico, um verdadeiro vazio se abre dentro do indivíduo.


No suicídio egoísta, este indivíduo que perdeu completamente o interesse, agora perde também a total esperança. Essa angústia provoca um aprofundamento da tristeza, perde-se a coletividade e o indivíduo passa a buscar a realização de seus próprios interesses. Esse indivíduo passa a buscar, então, algo que lhe dê um valor existencial, porém, ele perde a vontade pela vida por não encontrar um sentido maior, quando tudo é individualizado, perde-se a razão de continuar vivo.


No suicídio altruísta, ele encontra tanto valor social, tanto valor no meio, que por essa causa ele tira a própria vida para manter essa realidade social. A ideia aqui é que a beleza social é tão grandiosa que vale a pena morrer por ela (exemplo de filmes como Armagedon). Essa é a abordagem social que Durkheim desenvolve.


na psicologia, a questão é comportamental,

estudando a partir daí os processos mentais.

Lida com as questões da angústia do ser, depressão e ansiedade.


Quais os processos que levaram esse indivíduo a essa realidade? Quais os gatilhos que o colocaram nessa situação? Essas questões a psicologia busca responder, detectando então os fatores de risco e estabelecendo um método para que o suicídio seja evitado. É interessante observar que na abordagem sociológica não se oferece uma solução ou uma busca de solução para a questão do suicídio, apenas se detecta ou se sugere as razões que levarão a tal feito; já na psicologia o processo busca evitar que o comportamento suicida leve a cabo a sua intenção.


ABORDAGEM TEOLÓGICO/ESPIRITUAL

A abordagem teológica/espiritual passa pela compreensão antropológica bíblica do ser. A teologia bíblica não entende o ser humano como mero fruto do acaso do universo, nem mesmo o resultado de uma seleção voluntária da natureza. A antropologia bíblica entende o ser humano integralmente criado por Deus (Gn 2.7) e com um propósito específico. O homem foi criado perfeito, mas sua perfeição foi manchada com a entrada do pecado no mundo perfeito (Gn 3), o que levou a uma separação entre Deus e os homens. Desde então, a busca de todo ser humano é uma tentativa de retornar ao seu estado original, porém, a impossibilidade disso ocorrer por meios humanos, leva o ser humano a uma profunda tristeza.


Do ponto de vista teológico/espiritual, a vida é valor incomensurável. Não havendo absolutamente nenhum espaço que justifique o autoextermínio. A espiritualidade bíblica lida com a busca constante pela vida na sua completude, chamada de vida eterna.


Numa busca como esta não há espaço para a não vida em decorrência da necessidade humana de findar os seus problemas, uma vez que sendo a vida incomensurável, o ataque necessário é contra os problemas e não contra a própria vida.


CONCLUSÃO

Cremos que conseguimos expor aquilo que nos propusemos a fazer, que é mostrar pelo menos quatro abordagens possíveis para a questão do suicídio. Por que entendemos isso como sendo muito importante? Porque pressupostos errados nos levam a conclusões erradas. O ser humano é extremamente complexo, e isso já é um pressuposto a se observar, pois a complexidade humana não permite que respostas fáceis sejam dadas para dilemas tão complexos do ser. Suicídio é uma realidade crescente no Brasil, dados que anos atrás eram muito diferentes se relacionados com países como Lituânia e Coreia do Sul, recordistas em atos de suicídio.


Acredito que as razões podem ser inclusive somadas. Há dados que relacionam um aumento de suicídio em países gelados, assim como países em que a exigência de sucesso é muito grande, ou a preocupação com a honra. Note que temos aí questões bioquímicas e do outro lado questões sociológicas. Há as questões da espiritualidade do ser, mas há também a questão filosófica, ou seja, a cosmovisão, a maneira do indivíduo enxergar o mundo à sua volta.


Penso que há, sim, uma soma. Vivemos uma sociedade absurdamente utilitarista e individual. Vivemos um em cima do outro em nossos apartamentos, mas raramente temos pessoas em volta da mesa. Nossos filhos aprendem a empinar pipa na sala do apartamento, o máximo de entretenimento que conseguimos dar é um celular ou tablet e uma olhada rápida internet. Pais já não conversam com seus filhos nem para dar bronca, pois estão atarefados demais ganhando dinheiro para pagar o carro novo, o colégio e o apartamento. A mesa fica vazia, e por consequência, esse espaço é preenchido de alguma maneira.


Mas não é apenas isso, o Niilismo moderno tem tomado a mente das novas gerações. Perderam o encanto por quase tudo, as amizades são superficiais, o intelecto é superficial, a família é superficial. Virtualizamos a existência humana, e passamos a interpretar curtidas em rede social como proximidade, e no final, não resta muito pelo qual lutar e viver. É preciso repensar os rumos da nossa sociedade, e valorizar aquilo que de fato tem valor: a vida em sua integralidade. Resgatar valores ontológicos e reaver a maneira pela qual lidamos com a vida humana. Quando desvalorizamos a vida no seu nascedouro, não podemos nos chocar com os resultados decorrentes dessa desvalorização.


Samuel Braz

Teólogo, pastor e autor do site Fronesis. Acompanhe a fanpage: https://www.facebook.com/Fronesis-307095342985798/?ref=br_rs


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