Em entrevista ao Além Portal, a advogada Mariluzi Dalava Lopes Sales, pós-graduada em Direito Público pelas Faculdades Damásio de Jesus, fala sobre o julgamento no TSE.
Além Portal – Como você vê uma espécie de “glamourização” do julgamento da chapa Dilma-Temer? O fato de ser transmitido pesa nas decisões judiciais?
Mariluzi Dalava - Tem o lado bom e o lado ruim. A exposição excessiva da mídia realmente pode influenciar a justiça a decidir baseada no clamor popular, desviando-se, muitas vezes, do que deveria se aplicar legalmente ao caso concreto, do que é razoável. Isso acontece tanto no legislativo, na elaboração de leis, quanto no judiciário, em julgamentos importantes de grande visibilidade, o que não deveria acontecer. Claro que, no legislativo, deve-se levar em conta a opinião pública, mas com prudência e razoabilidade para que não se desvie do que é legal, do que é, de fato, de interesse público. Mas entendo que o judiciário deve sempre decidir baseado na lei, na jurisprudência, preservando a segurança jurídica e o interesse público, mas sem se deixar influenciar, seja pela opinião pública ou por qualquer outra motivação. Contudo, todo processo, exceto os que correm em segredo de justiça, é público, todos devem ter acesso. E, num processo de tamanho interesse público, onde são nossos governantes que estão em julgamento, acho importante que se dê a maior publicidade possível.
O vice-procurador Geral da República pedia que o Ministro Admar Gonzaga, que foi advogado de Dilma em 2010, fosse afastado do julgamento no TSE. Gilmar Mendes e os demais ministros rejeitaram tal pedido. O MPF errou em pedir só naquele momento esse afastamento?
Também entendo que aquele não seria o momento de arguir impedimento ou suspeição do Ministro, que aliás deveria, ele mesmo, na minha opinião, se declarar impedido. Como fez recentemente o Ministro Marco Aurélio, do STF, em relação aos processos em que o escritório do advogado Sérgio Bermudes atuasse, já que sua sobrinha trabalha nesse escritório. Enfim, mas será que tal arguição seria acolhida pelo Tribunal mesmo se fosse em momento adequado? Tenho minhas dúvidas.
O Ministro do TSE Napoleão Maia disse: “É melhor absolver um sujeito culpado, do que condenar um inocente”. Não soou estranho a frase diante do cenário de tanta corrupção?
A frase, em si, não está errada. Muito embora para o cidadão leigo possa parecer incoerente, ela está baseada nos Princípios da Inocência e do “in dúbio, pró réu”, princípios que norteiam o Direito Penal. Segundo esses princípios, ninguém pode ser considerado culpado sem provas concretas e, na dúvida, deve-se sempre decidir em favor do réu. Vamos pensar no seguinte: na absolvição de um culpado, seja por falta de provas ou pelo não convencimento do julgador, haverá sempre a sensação de impunidade, de injustiça, sofrida pela vítima ou pela sociedade. Contudo, diante da condenação de um inocente, essa sensação não se dará somente por parte da sociedade ou da vítima, já que foi um inocente e não o verdadeiro culpado que foi condenado, mas também em relação a um inocente que será, muitas vezes, privado de sua liberdade, do convívio com sua família. Trata-se de retirar de alguém direitos fundamentais, constitucionais, que toda pessoa possui. É exatamente por isso que um julgador ou um tribunal jamais pode se deixar influenciar pelo clamor popular ou por outros interesses que não seja o de se fazer justiça, aplicando a lei. Mas é de se entender que soe estranho por se tratar de um cenário político onde a grande maioria dos nossos representantes tem seus nomes envolvidos em corrupção.
As delações de Mônica Moura e João Santana não foram levadas em conta, devido não fazerem parte dos atos iniciais. Como você vê tal ação por parte do Tribunal?
Discordo da decisão do Tribunal. Como disse a Ministra Rosa Weber, eles foram aceitos e ouvidos como testemunhas, não como informantes, além do que entendo ser possível sim a inclusão de fatos ou provas novas num processo que contribuam para o juízo do julgador. É fato que no direito há posições diferentes em relação a interpretação e aplicação da Lei. Por isso a maioria das decisões de tribunais não são unanimes. Mas acredito que, nesse julgamento, o que pesou mais não foi a segurança jurídica, mas sim a segurança política. Se analisarmos bem, a um ano e meio de se concluir o mandato, como seria se caísse mais um presidente? Claro que ele perdeu completamente a governabilidade, pois credibilidade acredito que nunca teve, mas quem poderia assumir seu lugar? Como ficaria o cenário político e econômico? Dificilmente ocorreria uma eleição direta agora, mas, ainda que ocorresse, quais seriam os candidatos? Acho temerário esse cenário, e creio que o TSE também acha.
Diante da vitória do governo no TSE, temos a chance de abertura de inquérito contra Temer no STF, tendo que ter autorização do Senado, numa comissão de ética formada por parlamentares denunciados na Lava-Jato. Em sua opinião, estamos mais na mão da política ou da justiça? Será que a justiça consegue superar a contaminação política?
Bem... o triste não é estarmos nas mãos da política, já que os políticos são representantes do povo, eleitos pelo mesmo. O triste é estarmos nas mãos de políticos corruptos como os nossos, que pouco se importam com o interesse público, que trabalham em prol dos seus próprios interesses. Infelizmente, acho difícil que a justiça supere a contaminação política, pois vejo uma Suprema Corte desrespeitada por políticos e desacreditada pela sociedade. Talvez uma das razões seja o fato de serem os Ministros dos Tribunais Superiores nomeados pelo Presidente da República. Entendo necessário que se mude essa forma de ingresso aos tribunais, mas não vejo, por questões óbvias, interesse dos nossos legisladores nisso.
Por Andrei Sampaio Soares,
teólogo, escritor e criador/editor do Além Portal.