Época boa foi a da minha infância. A rua era o nosso quintal. Segurança, sossego e muita diversão a custo zero é o que tínhamos todo dia. Bicicleta, pipa, futebol na rua, doce de bar – aqueles que hoje fazem “mal”, mas eram pura alegria em forma de maria-mole, pé-de-moleque, paçoca, cocada, suspiro e doces de abóbora! Ah, bons tempos...-, esconde-esconde...
Sobre esta última brincadeira que citei daqueles tempos, o esconde-esconde, a farra e a festa eram grandes. A rua e seus entornos eram o limite. Dezenas de crianças participavam. Durava horas. Pura adrenalina. As crianças de hoje têm de se esconder nos limites da casa, nada tão emocionante mas, enfim, é o que restou.
O tempo passou. Crescemos. A fase criança ficou no passado. Mas vejo muitos resgatando o esconde-esconde. E não é por brincadeira, é por necessidade. Sem perceber muita gente já vem praticando um tipo de esconde-esconde. Pessoas que não querem ser achadas, descobertas. E vão se escondendo, mas... escondendo-se do quê? Ou de quem?
Do pecado oculto que se praticou e veio a tona. Da palavra indevida que se falou e chegou o pedido de explicação. Da inveja que se cultivou no secreto e finalmente se tornou pública trazendo constrangimento e desconforto. Da fofoca que envenenou e foi desmascarada provocando divisões. Da vingança que se planejou e tudo saiu errado, tornando-se um verdadeiro tiro no próprio pé. Do impostor que tentou ser crente e foi descoberto, envergonhando toda uma comunidade. Do louco que se deslumbrou com o dinheiro para descobrir que o dinheiro se tornou seu próprio laço. Do fraco que navegou em pornografias digitais e acabou sendo afogado por elas. Os motivos são muitos, os esconderijos são ineficientes e as frustrações sempre acabam por deixar feridas expostas.
A lista, no entanto, não é composta apenas de erros que cometemos. Precisamos do esconde-esconde frente as ameaças que nos perseguem a cada dia. Bala perdida, arrastão, brigas de trânsito, álcool e drogas, políticos inescrupulosos, traficantes insensíveis, assassinos cruéis, estado guloso através de impostos abusivos, exploradores da fé, piratas do comércio, bancos agiotas, justiças sem lei, leis sem misericórdia. Precisamos nos esconder, nos proteger e nos afastar de tanta afronta e cilada.
Existe, afinal, um bom esconderijo? A poesia do salmista diz que sim para todo “aquele que habita no esconderijo do Altíssimo e a Sua sombra descansa...”. Somente nEle finalmente encontramos um esconderijo seguro, confortador, consolador, reparador e curador. Os tempos são difíceis. Tempos nos quais o homem diz: “não temos para onde correr”, enquanto o crente diz: “eu corro para Cristo, meu abrigo e esconderijo seguro em todo o tempo!”
Voltando a minha infância, a farra era garantida. Todos eram finalmente achados, um a um todos iam sendo descobertos em seus esconderijos, terminando tudo em festa e gritos de alegria, onde todos juntos formavam, sem saber, um tipo de “esconderijo” com muita comunhão. Cristo fez o mesmo com a gente, nos achou em nossos esconderijos existenciais e nos colocou em seu esconderijo junto a milhares que também foram achados e agora vivem unidos como corpo dEle, único esconderijo capaz de suportar as ameaças que marcam os loucos tempos que estamos vivendo.
Por Edmilson Mendes,
Publicitário, escritor e pastor.